Nasci em Curitiba quando meus pais tinham acabado de retornar de Portugal (meu pai é curitibano e foi cursar medicina na Universidade de Coimbra onde conheceu minha mãe, natural do Alentejo). Morávamos no fundo da tipografia do meu avô, cujo quintal marcou não só a minha infância como a toda a família, pois o terreno era dos meus bisavós (Luiz e Apolônia Gapski) e costumava ser o local onde a família se reunia para os tradicionais churrascos de fim de semana.

Tive uma infância muito livre e criativa e, desde pequena demonstrei gosto pela arte manual. Ainda pequena, eu e meus irmãos fazíamos todo tipo de curso de pintura nas férias escolares. Na adolescência me “especializei” em pintura tie day (aquele tipo de tingimento multicolorido) e não havia nenhuma camiseta branca que escapasse da minha mira. Nessa mesma época fazia pulseiras em tear manual; curso de marmorização, pátina e decapê, pintava paredes e mobílias e certa feita cheguei até a conseguir uma vaga de artesã visitante para expor meus cacarecos na feira do largo da ordem. Já mais velha, passei grande parte do meu tempo livre bordando tapete de Arroiolos.

Chegada a hora de escolher o que eu queria fazer quando crescesse, decidi fazer Direito! E fiz direito. Me formei pela PUC/PR em 2000, fiz grandes amigos tanto da faculdade quanto na profissão. Advoguei incessantemente por vinte anos, doze dos quais numa das sociedades de advogados mais tradicionais do país. Contudo, apesar da bem-sucedida carreira jurídica, havia um vazio latente dentro de mim indicando que eu tinha algum outro caminho a seguir, só não sabia qual.

Foi então que, em janeiro de 2020, fui à tipografia do meu avô com meu marido e uma ideia nos atingiu como um raio: íamos revitalizar a tipografia Gapski e unir a nossa paixão por trabalhos manuais e letras/livros, resgatando a história da minha família. Não houve dúvida. No mesmo dia 07.02.2020 começamos a pesquisar tipografias pelo mundo e constatamos que há um movimento mundial de resgate da técnica de impressão tipográfica (letterpress) por ser um método tradicional de impressão totalmente artesanal.

Decidi trocar a rigidez do processo pela liberdade da arte. Trocar a beca pelo avental, os códigos pela tinta. Me desliguei do escritório ao qual pertencia e, com a determinação de quem está ciente de que começar uma nova carreira aos quarenta e poucos anos é uma batalha difícil, me atirei de corpo e alma num novo e encantador universo.

Meu marido e eu passamos incansáveis doze meses conhecendo as máquinas, limpando e organizando os equipamentos tipográficos, restaurando móveis e objetos da gráfica, limpando, conservando, descobrindo, imaginando e reorganizando a oficina para adequá-la a sua nova fase.

Raquel e seu marido Lincoln

Nunca é tarde para recomeçar, nem tampouco para aprender. Comecei a achar poucas as 24 horas do dia e os sete dias da semana. Me inscrevi em cursos, comprei livros, comecei a estudar tipografia e tive a sorte de conhecer muita gente bacana que me acolheu de braços abertos nessa nova área. Sempre digo que Deus é meu amigo e taí mais uma prova disso!

A meu ver, a revitalização da tipografia é uma bela homenagem aos Gapskis, especialmente ao meu avô Zico e meu tio avô Jango que, juntamente com o sobrinho Otávio, fundaram a tipografia em 1957.

Vida longa aos Gapskis!